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A grande ilusão

M. C. Escher  “Drawing Hands”  1948

Um dos aspectos que mais me fascina na escrita é ver o mundo caótico da minha cabeça organizado de forma coerente e compreensível.  A escrita é uma linha reta disfarçada.  Olhando de perto, é um zigue-zague que leva de A a J, passando por R e F, quando se quer apenas chegar em B.  A escrita tem pausa pra ir ao banheiro, tem backspace, tem descanso de tela.  A fala, não.  A fala não tem Ctrl+Z.  Ao invés disso, tem um zoom de 200% no zigue-zague, que às vezes é círculo, às vezes é triângulo, mas nunca é reta.  Pelo menos não pra mim.  E é por isso que eu odeio pitching.

Pitching é a apresentação oral daquilo que é muito melhor no papel, feita por alguém que escreve muito melhor do que fala. Pitching são centenas de páginas, noites em claro, litros de café – ou do que te faça ficar acordado – condensados em uma apresentação oral em que você precisa convencer o ser à sua frente de que aquilo que ele está ouvindo é a melhor ideia que a humanidade já ouviu e ouvirá na próxima dezena de séculos.  Tudo isso em dois minutos.
Pitching também é uma arte.  É a arte de engabelar.
Em uma certa aula, o professor – exibindo seu Emmy sobre a mesa – simula um pitching com alguns alunos apresentando suas ideias.  Depois do terceiro, ele dá o veredicto:
– Todos vocês já começaram em desvantagem.  Ninguém elogiou o meu Emmy!  Se alguém tivesse feito algum comentário sobre o meu prêmio, já estaria em vantagem.
É verdade, estavam todos ocupados demais defendendo suas ideias.  Tolinhos!
– Uma vez um diretor chorou durante o pitching. Não sei se foi sincero ou não, mas fiquei bastante impressionado – conta empolgado outro professor.
Comento com um colega minha frustração com esse sistema.  Ele tem uma resposta bem objetiva:
– As regras são essas.  Não quer jogar, não joga.
E o fato é que ele tem razão.  Você quer contar uma história sozinho de dentro da sua toca e não quer ninguém dando palpite?  Escreve um romance.  Cinema é trabalho em equipe e, como qualquer forma de arte, tem suas limitações.  O pintor limita-se ao uso de cores, formas e texturas para expressar emoções.  O músico limita-se ao som de seu instrumento.  O cineasta limita-se ao seu orçamento.
Se seu filme precisa de milhões para ser produzido, ele tem de passar por todo esse processo.  É preciso mais que uma camera na mão e uma ideia na cabeça.  É preciso também um produtor de set, um motorista, um assistente de direção, um lapela sem fio, um kit de luz, um editor, um continuísta e umas bolachas recheadas pra equipe não morrer de fome.  Pra isso, é preciso um orçamento.  E pra isso, é preciso convencer alguém de que acreditar no seu projeto é a melhor decisão que ele já tomou e irá tomar na vida. 
O jogo é esse e eles são os donos da bola. Não quer jogar, vai pra casa. Hollywood é a terra da ilusão. Seja um alto executivo de um estúdio ou uma criança na poltrona do cinema, o que se quer é ser iludido.
M. C. Escher  “Relativity”  1953

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3 comentários sobre “A grande ilusão

  1. Anônimo disse:

    Adorei a introdução. Sempre achei incrível a capacidade de certas pessoas, sejam elas escritores, professores, palestrante ou até um cara no bar defendendo alguma ideia, de dar uma volta gigante, colocar um monte de assuntos no meio e voltar para o ponto inicial, fazendo tudo ter sentindo.Que bom que o blog voltou. =]

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